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sábado, 30 de junho de 2012

Noite de Tormenta


Pintura de Albert Bierstadt

Noite de Tormenta
(Jenário de Fátima)

É noite de tormenta, o vento urra,
Como um felino preso, engaiolado
Se esgueira pelas frestas do telhado.
Rebate nas vidraças, a porta empurra.

O vento é bruto e mau, a terra curra,
De um jeito feroz, descontrolado,
De frente,atrás,de lado,espanca esmurra.
(Éolo está feroz, está zangado!)

Em noites de tormenta, noite assim.
Uma mão vinha outrora com carinho,
Calma e meigamente repousar em mim.

Agora eu apalpo, tateio, em vão procuro.
Mas eu não encontro nada neste escuro ...
Comigo resta a dor de estar sozinho...

Pássaro Preso


Pintura de willem haenraets

Pássaro Preso
(Jenário de Fátima)

Faça de mim aquilo que quiseres,
Sacie tua carne, teus desejos.
Tua intenção, seja qual lá tiveres,
Minha hora é submissa a teus ensejos.

Mas por favor, aquilo que me deres,
Não diga a teus amores andarejos.
Não tens ideia o quanto me feres,
Quando contas ao mundo dos meus beijos...

De ti já quis me livrar, fugir, porém,
Ao ver as ilusões que a liberdade tem
Somente uma certeza enfim obtive;

É que sou qual uma ave de gaiola
Que ao soltar-se, vai ao céu, voa, decola,
Mas fora da prisão não sobrevive.

quinta-feira, 28 de junho de 2012

CASINHA BRANCA


Pintura de willem haenraets

CASINHA BRANCA
(Bernardina Vilar)

Na encosta da serra alcandorada
Ali estás tão branca e pequenina
Como a pomba da paz tão desejada,
Extasiada ao frio da neblina.

Contemplando a paisagem da esplanada
És um ninho de sonhos que alucina
E uma história de amor tu tens guardada
Na placidez feliz que te domina.

As flores te circundam a fronte altiva
E o regato choroso sobre as fráguas
Passa, a beijar-te os pés com emoção.

Casinha branca, solitária, esquiva,
Dentro de ti tu guardas minhas magoas
N o silêncio da tua solidão!

INQUIETUDE


Pintura de Albert Bierstadt

INQUIETUDE
(Bernardina Vilar)

Tarde cálida e mórbida... Angustiante...
Um silêncio mortal. Nem uma voz
Levanta-se no vácuo. Torturante
O ar pesado paira sobre nos.

O calor abrasado, sufocante
Já me importuna de maneira atroz
E nesta alegoria delirante
Triste lembrança se me faz algoz.

Dentro em meu peito, o coração soluça!
E genuflexo triste se debruça
Sobre um passado que já vai distante.

Chora contrito uma recordação,
Revive um sonho que perdido em vão
Pra mim tornou-se um padecer constante.

OLHA, NADIA!


Pintura de Albert Bierstadt

OLHA, NADIA!
(Afonso Estebanez)

Olha, Nadia! Mas olha como quem estuda
o litúrgico ofício de uma sombra caminhar
depressa como um pensamento de Neruda
no outono dos vinhedos para além do mar...

Mas olha como quem orando presta ajuda
a essas sombras que rastejam sem passar...
Cala a noite, e a sombra que parece muda
segue cantando enquanto a luz vai rastejar...

Não olha para trás! A luz segue assustada
e a nossa sombra vai à frente descansada...
Ô, Nadia! O que antes era luz vai apagar!

A sombra como a morte é essa luz tardia
que se arrastando segue entre noite e dia
de alma e corpo no pó aonde vai chegar!

POR UM GRANDE AMOR


Tela de Willem Haenraets

POR UM GRANDE AMOR
(Afonso Estebanez)

Nascer é como ouvir passar um rio
na concha do recôncavo da aurora
que acorda no crepúsculo sombrio
do tédio de passar sem ir embora!

Viver é como estar em pleno estio
de quando a primavera comemora
nos arco-íris do sonho o desfastio
de reflorir do estio de quem chora!

Sonhar é como reinventar o acaso
da causa dos amores sem destino
nas histórias de reinvenção da flor.

Morrer!... É como recontar o caso
de reinventar o sonho clandestino
de ter vivido por um grande amor!

SOMBRAS


Pintura de Willem Haenraets

SOMBRAS
(Afonso Estebanez)

Parece o teu retorno a não sei onde
parece que refaço e não sei quando
pareço perguntar nem me responde
o celerado amor que vou sonhando...

Parece que nem tudo corresponde
ao teu eco de amor me retornando...
Parece que o silêncio não esconde
esse grito de amor te relembrando...

Pereço uma estação no fim da linha
pareço uma canção que me perdeu
pelos céus de verão sem andorinha...

Parece que o passado se esqueceu
de que outro dia ainda fostes minha
e não se lembra mais de que fui teu...

LEMBRANÇAS DO LUGAR


Pintura de Guido Borelli

LEMBRANÇAS DO LUGAR
(Afonso Estebanez)

Querida, vê no pranto que extravasa
o coração quando a lembrança aflora...
Os gerânios... As rosas... Como atrasa
o tempo entre o crepúsculo e a aurora!

Há sonhos que ainda vagam pela casa
em meu rústico albergue da memória...
E ainda um lírio que a min’alma vaza
de saudade do amor que ainda chora...

Nos beirais da varanda as andorinhas
bailam, querida, e as ninfas seminuas
das ribeiras em flor bailam sozinhas...

Beirando a vida nos beirais das ruas,
tu vives de sentir saudades minhas
e eu morro de sentir saudades tuas...

FLOR DA ALMA


Pintura de Willem Haenraets

FLOR DA ALMA
(Afonso Estebanez)

Vem desse amor eterno de você
uma canção tangida pelo vento
uma flauta no som do pensamento
que ressoa na alma e não se vê...

Brisa da tarde nos florais do ipê
num cântico de beijos ao relento...
Um feitiço de amor à flor do tempo
que vem sem precisar dizer porquê...

Uma canção de ser tão docemente
percebida... Tão leve se pressente
que a gente nem precisa perceber...

Basta ao amor plural de sua vida
saber-se a alma eterna e resumida
na alma de uma flor no alvorecer...


Pintura de Willem Haenraets

À CAROLINA

Querida, ao pé do leito derradeiro
Em que descansas dessa longa vida,
Aqui venho e virei, pobre querida,
Trazer-te o coração do companheiro.

Pulsa-lhe aquele afeto verdadeiro
Que, a despeito de toda a humana lida,
Fez a nossa existência apetecida
E num recanto pôs um mundo inteiro.

Trago-te flores, - restos arrancados
Da terra que nos viu passar unidos
E ora mortos nos deixa e separados.

Que eu, se tenho nos olhos malferidos
Pensamentos de vida formulados,
São pensamentos idos e vividos.

Machado de Assis

RENÚNCIA


Pintura de Willem Haenraets

RENÚNCIA
(Olegário Mariano)

Renunciar. Todo o bem que a vida trouxe,
toda a expressão do humano sofrimento.
A gente esquece assim como se fosse
um vôo de andorinha em céu nevoento.

Anoiteceu de súbito. Acabou-se
tudo... A miragem do deslumbramento...
Se a vida que rolou no esquecimento
era doce, a saudade inda é mais doce.

Sofre de ânimo forte, alma intranqüila!
Resume na lembrança de um momento
teu amor. Olha a noite: ele cintila.

Que o grande amor, quando a renúncia o invade
fica mais puro porque é pensamento,
fica muito maior porque é saudade.

ANJO ENFERMO


ANJO ENFERMO
[Afonso Celso]

Geme no berço enferma a criancinha,
Que não fala, não anda e já padece...
Penas assim cruéis por que as merece
Quem mal entrando na existência vinha?!

Ó melindroso ser, ó filha minha,
Se os céus ouvissem a paterna prece
E a mim o teu sofrer passar pudesse,
Gozo me fora a dor que te espezinha.

Como te aperta a angústia o frágil peito!
E Deus, que tudo vê, não ta extermina,
Deus que é bom, Deus que é pai, Deus que é perfeito...

Sim... é pai, mas a crença no-lo ensina:
— Se viu morrer Jesus, quando homem feito,
Nunca teve uma filha pequenina!...