Seja bem-vindo. Hoje é

sexta-feira, 27 de setembro de 2013

O CONSEHO DAS ÁRVORES

O CONSEHO DAS ÁRVORES
(Olegário Mariano)

Sofro, luz dos meus olhos, quando dizes
Que a vida não te alenta nem conforta.
Olha o exemplo das árvores felizes
Dentro da solidão da noite morta.

Que lhes importa a dor, que lhes importa
O drama que há no fundo das raízes?
Não sentem quando o vento os ramos corta
E as folhas leva em várias diretrizes?

Que lhes importa a maldição do outono
E os dedos envolventes da garoa,
Se dão sombra às taperas no abandono?!...

Levanta os braços para o firmamento
E canta a vida porque a vida é boa
Mesmo esmagada pelo sofrimento.

quarta-feira, 3 de julho de 2013

Arrependimento

Arrependimento

Se ao coração que chora fora dado
Em dose, embora escassa de beber,
A taça misteriosa do esquecer,
Quanto ser viveria embriagado.

Viver embriagado do viver,
E não lembrar jamais o que é lembrado,
Lembrar somente e apenas com cuidado
Que o cuidado maior é o de esquecer.

Divina fantasia de quem ama,
Tolher a chama, quando a vida é chama
Matar a sede, quando a sede é de arte.

O intimo mistério de querer-te!
Maior que a própria pena de perder-te
Foi o arrependimento de buscar-te!


Jandira Grillo
de Devaneio e Meditação

segunda-feira, 4 de março de 2013

"Erros Meus, Má Fortuna, Amor Ardente"





Erros meus, má fortuna, amor ardente
Em minha perdição se conjuraram;
Os erros e a fortuna sobejaram,
Que pera mim bastava amor somente.

Tudo passei; mas tenho tão presente
A grande dor das cousas que passaram,
Que as magoadas iras me ensinaram
A não querer já nunca ser contente.

Errei todo o discurso de meus anos;
Dei causa [a] que a Fortuna castigasse
As minhas mal fundadas esperanças.

De amor não vi senão breves enganos.
Oh! quem tanto pudesse, que fartasse
Este meu duro Génio de vinganças!

Luís de Camões

quarta-feira, 22 de agosto de 2012

''Abandonei-me ao vento''



Abandonei-me ao vento. Quem sou, pode
explicar-te o vento que me invade.
E já perdi o nome ao som da morte,
ganhei um outro livre, que me sabe

quando me levantar e o corpo solte
o meu despojo vão. Em toda parte
o vento há-de soprar, onde não cabe
a morte mais. A morte a morte explode.

E os seus fragmentos caem na viração

e o que ela foi na pedra se consome.
Abandonei-me ao vento como um grão.

Sem a opressão dos ganhos, utensílio,

abandonei-me. E assim fiquei conciso,
eterno. Mas o amor guardou meu nome.

Carlos Nejar

domingo, 15 de julho de 2012

''O LUAR E O CHAFARIZ''



No chafariz o tênue gorgolejo
era pura magia. O encantamento
enchia a clara noite e, lento, lento,
iam sacudindo os sonhos, e o Desejo.

Mas isto foi no efêmero momento.

De há muito a voz calou-se. Agora vejo
pedras tombadas, seca a fonte, e o adejo
de asas de sombra e de aniquilamento.

E o luar, que ao toque mágico da antiga

cantiga da água, era também cantiga
fluindo, fresca e feliz, do céu profundo,

nesta hora triste e trêmula da vida,

condensado em lembrança dolorida,
é silêncio infinito sobre o mundo.

Tasso da Silveira

''NOITE DESMEDIDA''



Por quem se fez a noite do meu canto
fosse talvez pastor dessa ocarina
de muitos sons vibráteis como pranto
de partitura agônica e ferina

em que a medida exata principia

no labirinto negro - infinda hora.
Inevitável noite que em si é dia
mesmo sabendo raio dessa aurora

há de sangrar a inversa tessitura:

rubro poente - líquida ferida
a refletir a dor de tanta agrura

nesses perdidos traços que na vida

vão se forjando em forma de escritura
para a amplidão da noite desmedida.

Aníbal Beça

sábado, 14 de julho de 2012

NOITE CHUVOSA


NOITE CHUVOSA
Claudia Dimer

Vaga a noite chuvosa; triste e lenta
A vislumbrar a luz em relampejos...
Parece louca e morta de desejos
De aumentar o vazio que atormenta.

Dela todo o ser vivo então se ausenta,

São gélidos e rudes os seus beijos,
traz uma fina chuva que em voejos
lacrimeja na rua nevoenta.

Noite chuvosa, passe!... vá direto

P'ra algum lugar de sombras, não sei onde...
És tu que rouba estrelas? onde estão?

Tu és tão triste e fria em teu trajeto

Que até a lua se te vê se esconde
P'ra se abrigar nos braços da amplidão!